terça-feira, 22 de setembro de 2009

Ignoro qualquer um que me faça perguntas desse minuto em diante.

Parte I:
Com sutilieza calcei as pantufas e com preguiça troquei passos. A dedo escolhi um copo, em instantes estava até a borda com água. Pensei por dois segundos se não seria tão estúpido virar os olhos para a cama sabendo que não estava lá. Mas estúpido mesmo era tentar levantar dela de forma sedutora, como se ele estivesse me assistindo beber o que saía daquele filtro imundo. Foda-se a estupidez. Deixei-a de lado quando, ao ouvir as primeiras gotas de chuva do lado de fora, estacionei o olhar sobre a janela. Olhar tão pesado que era como se eu visse o vidro prestes a se quebrar. E do estacionamento dos olhos, estacionei também o corpo frente a ela. Acho que nunca uma janela me pareceu tão vingativa. Ela não sabia por quê eu a olhava daquela forma e devolvia isso estando tão bem posicionada diante da rua. Atrevi-me a tocá-la. Dividi sua superfície fria e enxarcada pela metade. Um vento gelado passou por ela e eu.
Não, eu não ia esperar que um milagre lhe fizesse passar por ali, Jaime. E janela, sua inanimação me chateia, vou deitar-me novamente!
Meu lugar na cama ainda estava quente e pra evitar pés congelados, deixei que as pantufas continuassem a esquentá-los. Com esforço estiquei o braço e descompromissadamente apertei o botão vermelho do controle remoto. Depois de 3 tentativas de achar uma atração televisiva realmente atrativa, desliguei aquilo. A tela preta pouco relfetora era mais interessante. Isso porque ela me lembra o cochilo tirado ao lado dele a algumas semanas atrás. Eu conseguia ver aquele encaixe perfeito pela televisão suspensa na parede do 202. E essa lembrança deixava minha cama mais confortável. Impressão minha.
Ouço a janela me chamar e vejo as feições de Jaime na parede tentando avisar-me de que o certo seria se eu conferisse o que a janela queria de mim. Levei o antebraço a testa, entreabri a boca e respirei por ela. Sim, eu tinha que ir até lá, quem sabe ela tinha notícias suas que eu não? Quem sabe ela tenha recados deixados por um passarinho a pedido seu? Quem sabe tenha mensagens feita com a ponta dos dedos no vidro embaçado? Melhor: quem sabe sua ausência tenha me tirado a saúde mental e me feito pensar esses absurdos? Fico com a última opção mesmo. Mas indiferente a isso, me levanto e me coloco frente a janela que deixei aberta. O chão molhou a sola das pantufas. Livrei-me delas e aventurei-me em ficar descalça e ter os pés tomados pela água da imprudência pluvial.